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Crianças Alérgicas a Ácaros - Implicação na Imunoterapia Específica

 

Dr. Libério Ribeiro

Presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia Pediátrica

Atualmente, nos países industrializados, a maior parte da vida é passada no interior. Daí a importância, cada vez maior, dos componentes que constituem o ar inalado desses ambientes e da sua importância para o desenvolvimento de doença alérgica.

Em Portugal a alergia a ácaros representa, em idade pediátrica, 80% das alergias respiratórias, dado as condições ótimas das nossas habitações para o seu crescimento. Embora existam mais de 40.000 espécies de ácaros, só uma pequena percentagem é responsável pelas doenças alérgicas, e pertencem à família Pyroglyphidae, onde se incluem o género Dermatophagoides que é composto de várias espécies (pteronyssinus, farinae, micróceras). São os chamados ácaros do pó da casa. Outra família importante é a Glicyphadae, onde se encontram as espécies Lepigoglyphus destrutor, Blomia tropicalis e Glicyphagus domesticus. São os ácaros de armazenamento, embora também existam nas habitações, em particular naquelas com elevada humidade relativa.

Os ácaros têm várias moléculas alergénicas (23 grupos de alérgenos), ou seja, capazes de induzir uma resposta IgE mediada. No Dermatophagoides farinae são alérgenos maioritários, o Der f1 e o Der f2, enquanto para o Dermatophagoides pteronyssinus são o Der p1 e o Der p2 e para o Lepidoglyphus é o Lep d2.
O Der p1 aumenta a permeabilidade das mucosas, favorecendo a penetração dos alérgenos, o Der p2 é um potente imunogénico com capacidade de união aos recetores toll-like, indispensáveis para o desenvolvimento da resposta imunológica.

Estes são marcadores específicos de sensibilização a ácaros e podem utilizar-se como indicadores de utilidade da imunoterapia específica.
 
Há reatividade cruzada entre os ácaros, em particular nos que pertencem à mesma família, mas ela também existe com outros componentes do reino animal, chamados panalérgenos, como acontece com alergénos do citoesqueleto dos ácaros e que correspondem à tropomiosina (Der p10) e paramiosina.
Mediante o diagnóstico por componentes moleculares pode-se identificar o perfil de sensibilização individual, diferenciar a sensibilização primária, específica, genuína, da sensibilização secundária, responsável pela reatividade cruzada.

Os alérgenos moleculares permitem avançar na epidemiologia e conhecimento da prevalência real da sensibilização aos diferentes alérgenos. O diagnóstico por componentes moleculares aumenta a precisão diagnóstica, permitindo um tratamento etiológico mais correto, com administração de uma imunoterapia específica de acordo com a sensibilização real, sendo um tratamento individualizado à medida da verdadeira sensibilização de cada doente.

Alguns estudos demonstram que quando a I.E. é prescrita pelos métodos convencionais (testes cutâneos, IgE específicas) se tivessem sido efetuados os alérgenos moleculares, só 36% a fariam, modificando-se o diagnóstico e consequente terapêutica nos outros 64%. Com o objetivo de valorizar  a  importância do diagnóstico molecular na  precisão do diagnóstico e tratamento das doenças alérgicas, em particular da imunoterapia específica, e de correlacionar as técnicas de diagnóstico convencionais (testes cutâneos, IgE específicas de extratos completos) e a sensibilização a alérgenos maioritários, efetuámos um estudo observacional, transversal, analítico, com recolha das variáveis principais.

Incluímos 49 doentes, de ambos os sexos, atendidos na minha clínica privada, durante os anos de 2015 e 2016, com idades compreendidas entre os 4 e 18 anos (idade média de 9,63 anos), com o diagnóstico de asma, rinite, ou ambas, tendo alguns em simultâneo eczema.
A todos foram feitos testes cutâneos em prick, segundo as normas estabelecidas, não só para ácaros, mas também para pólen de gramíneas (selvagens e cultivadas), de oliveira, de parietária, de alternaria A1, de cão e de gato. As IgE específicas foram determinadas pela técnica do ImunoCap e a análise molecular pelo ISAC. As análises realizaram-se mediante análise descritiva e bivariante, tendo sido utilizadas as provas não paramétrica de U-Mann Whitney. Devido ao incumprimento da hipótese de normalidade, optou-se por utilizar uma prova não paramétrica para estudar as diferenças numa variável numérica entre os grupos marcados por uma variável dicotómica e a correlação de Pearson com o fim de estudar a relação entre duas variáveis numéricas.
 
Dos 49 doentes, 35 (71,4%) eram do sexo masculino e 14 (28,6%) do sexo feminino. Não   houve   diferenças,   estatisticamente significativas, na IgE total, IgE específica para Der f1 e Der p2, na asma e na rinite, ao contrário dos doentes que também tinham eczema, onde os valores foram superiores e com significado estatístico para essas variáveis. Não existiram diferenças estatisticamente significativas entre as variáveis IgE específica Der far. e IgE específica Der pt, no que se refere aos sexo, idade e patologia.

Existe correlação significativa direta entre as provas cutâneas Der farinae e IgE específica Der p10; a IgE total e IgE específica Der far; a IgE total e IgE específica Der pt; IgE específica Der pt e IgE específica Der p1; IgE específica Der pt e IgE específica Der p2.

Existe uma correlação significativa, mas inversa, entre os testes cutâneos de oliveira e a IgE específica Der p1 e Der p2.

Todos estes resultados devem de ser tidos em consideração quando da prescrição  das vacinas antialérgicas,  particularmente à sensibilização maior, da nossa população pediátrica alérgica a ácaros, ao Der p2.