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Que medidas para a prevenção de alergia no recém-nascido de risco ou não?

 

Dr. José Manuel Lopes dos Santos

Pediatra e Imunoalergologista.

Delegado da Subespecialidade de Alergologia Pediátrica na Secção Pediátrica da UEMS.

Há fatores que facilitam a sensibilização alérgica nos recém-nascidos e lactentes, designadamente a carga genética, a atopia materna, podendo a sensibilização ocorrer por via digestiva, por via cutânea e através da mucosa respiratória. Até há pouco tempo, as intervenções recomendadas para a prevenção das alergias nos lactentes de risco, focavam-se exclusivamente nas medidas alimentares. Nos últimos anos, tem-se dado também atenção à sensibilização por via cutânea o que poderá permitir uma estratégia de prevenção mais alargada e eficaz.

 

ALEITAMENTO MATERNO

A medida mais preconizada foi e continua a ser o aleitamento materno durante os primeiros 4 a 6 meses. O leite humano, é um alimento vivo, heterogéneo e muito rico que vai alterando a sua composição qualitativa ao longo do tempo de forma a adaptar-se às necessidades específicas dos lactentes em função da sua idade. Para além dos nutrientes essenciais, contém hormonas, fatores de crescimento, enzimas, e outros elementos importantes para o crescimento e desenvolvimento harmónicos do lactente, bem como anticorpos, leucócitos, citocinas que contribuem para as suas defesas e para a modulação do sistema imunológico. No entanto, poderá também conter contaminantes e pequenas quantidades de possíveis alergénios (como a β-lactoglobulina) que poderão ser sensibilizantes ou toleragénicas.

As mães atópicas tendem a ter no seu leite um nível mais elevado de citocinas e quimiocinas associadas à alergia (IL4, IL5, IL8, IL13) e algumas quimiocinas que poderão promover um ambiente Th2 no intestino do lactente, facilitando a sensibilização aos antigénios alimentares. Pelo contrário, a citocina TGF-β1 (transforming growth factor-β1) mais abundante nas mães não atópicas, promove a tolerância aos alimentos na resposta imunitária intestinal podendo influenciar o tipo e intensidade da resposta do lactente aos alergénios. Um valor normal de TGF-β1, provavelmente facilita a tolerância aos alergénios alimentares que o lactente ingere no leite materno e mais tarde, nas fórmulas à base de leite de vaca e nos alimentos sólidos.

O aleitamento materno exclusivo, poderá proteger o bebé de risco atópico da alergia, se a atopia tiver sido herdada apenas do pai. Nos casos das mães atópicas, essa proteção pode menor ou inexistente, no entanto, os outros benefícios do aleitamento materno, contrabalançam possíveis efeitos negativos em relação à alergia. Nalguns casos, pode ser necessário excluir da alimentação materna os alergénios relevantes para mãe e o filho.

 

LEITES HIPO-ANTIGÉNICOS

Nos lactentes de risco, quando não é possível o aleitamento materno, ou este não é suficiente, está demonstrado que a alimentação exclusiva com leites hidrolisados, reduz a incidência de manifestações alérgicas comparativamente com as fórmulas à base de proteína de leite de vaca inteira. As proteínas hidrolisadas têm menor probabilidade de induzir sensibilização, diminuindo o potencial para causar hipersensibilidade no período crítico dos primeiros meses de vida, durante o qual o sistema imunológico ainda se encontra imaturo.

 

PROMOÇÃO DA TOLERÂNCIA ALIMENTAR

O sistema imune intestinal desempenha um papel fundamental na imunidade às toxinas e agentes patogénicos e na promoção da tolerância às bactérias comensais e à enorme quantidade de antigénios ali- mentares potenciais ingeridos diariamente. Um interessante trabalho efetuado em Israel por Yitzak Katz e colabs demonstrou que a alergia às proteínas do leite de vaca mediada pela IgE, tem uma prevalência máxima nos lactentes que só tiveram o primeiro contacto com o alimento entre os 105 e os 194 dias de vida, sendo muito mais baixa quando este se deu de forma continuada entre os 15 e os 104 dias e quase nula quando se iniciou nos primeiros 14 dias. Esta e outras observações, parecem indicar a vantagem da introdução precoce de alimentos potencialmente alergizantes, como meio de indução de tolerância, em contraposição à sua evicção.

 

SENSIBILIZAÇÃO POR VIA CUTÂNEA

A barreira epidérmica alterada na dermite atópica promove aumento da permeabilidade, facilitando a penetração de alergénios sensibilização por esta via. Está documentado que a disfunção da barreira cutânea ao nascimento aumenta o risco de alergia alimentar aos 2 anos, um es- tudo recente (estudo PEBBLES) demonstrou que a utilização preventiva de um emoliente nos lactentes de risco durante os 6 primeiros meses, reduziu de forma muito significativa a incidência de alergia alimentar aos 12 meses.

A pele surge assim como um novo alvo para a prevenção da alergia. Na Academia Euro- peia de Alergologia e Imunologia Clínica, foi recentemente criada uma Task Force dedicada ao tema da barreira cutânea na der- mite atópica, tendo como principal objetivo averiguar se os tratamentos tópicos diários iniciados no período neonatal e mantidos durante os primeiros meses de vida nos lactentes de risco, são um meio eficaz de prevenir a dermite atópica e a marcha alérgica.

 

MICROBIOMA

A manipulação do microbioma, pela administração oral e ultimamente, também pela aplicação tópica cutânea de Pro, Pré e Simbióticos, tem sido ensaiada na perspectiva da prevenção alérgica. Existem alguns estudos com resultados interessantes em- bora a evidência existente seja escassa. Uma metanálise relativamente recente, não exclui a possibilidade de esta abordagem ser útil para reduzir o risco de alergia.

 

COMENTÁRIOS FINAIS

O aleitamento materno exclusivo durante 4 a 6 meses continua a ser a primeira medida de excelência para a prevenção de alergia nos lactentes de risco.

Se for impossível ou insuficiente, deverão ser alimentados durante os primeiros 4 meses com um leite hipoalérgico de efeito preventivo documentado, devendo os outros lactentes receber uma fórmula láctea standard.

Após os 4 meses, todos deverão receber uma fórmula láctea standard e iniciar a alimentação diversificada habitual sem restrições independentemente da hereditariedade alérgica.

Num futuro próximo, provavelmente será consensual que se deva utilizar diariamente um emoliente em todos os lactentes de risco, pelo menos durante os primeiros 6 meses (faltando definir qual a sua composição ideal).

Finalmente dever-se-á evitar a exposição ao tabaco (em todas as crianças de risco alérgico ou não) e restringir a exposição aos ácaros e aos animais domésticos das crianças com predisposição atópica.